05/12/2011

Nera, Oghmios, Cuchulainn e os seus paralelismos na Kalláikia

despertadoteusono.blogspot.com
David Outeiro
13/11/2011


- 2ª parte -

No que diz respeito ao aspecto das ligaduras e da guerra aparece no "panteão" galaico na figura de Bândua. Um achado descoberto no acampamento romano de Banhos de Bande (Aquis Querquernis) remete-nos a uma representação dessa deidade que deu nome ao topónimo do concelho. Consiste numa figura dum deus guerreiro que apresenta uma corda atravessando o seu peito. Esse laço que envolve o seu peito corresponde-se com o de Oghmios e inclusivamente com o nome de Bândua os quais estám relacionados: *bhend, "atar" (A. Pena Granha). Essa anudadura supõe uma ligação, um vinculo entre as fratrias que lhe rendem culto. O seu nome aparece em relacionado em vários epítetos que denotam as suas qualidades: Aposolego "forte na vitoria", Cadogus "o lutador", Aetobrigus "a fortaleça dos fogosos" ou "fogosamente forte", Roudeacus "vermelho" (cor relacionado com os guerreiros) etc. O epíteto Aposolego é claro em relação à sua força na batalha. Citando a Blanca García-Fernández Albalat (1990, pp 185-1909; "A vitoria neste deus não seria mais que a derrota do inimigo após a sua imobilização imobilizando-lhe os membros com os seus laços mágicos" .Outra citação da mesma autora diz: “estão registradas estas capacidades que achamos nas divindades indo-europeias: a de atar, ligar, implícita no seu nome e a guerreira derivada dos seus epítetos e da "interpretatio". Por estas causas devemos deduzir, que existe alguma semelhança entre Bândua e este tipo de divindades. Ora bem, se é evidente que as comparações com os deuses dos laços no mundo indo-europeu dão explicação ao vínculo existente entre as ligaduras mágicas e a guerra, ainda permanecem sem resolver duas caraterísticas que atingem a Bândua: a confusão que se apresenta entre Marte e Mercúrio (39) e a relação com as comunidades. A primeira ao nosso entender só podemos resolvê-las no seio do panteão celta e a sua particular concepção da guerra e a magia. A segunda incógnita desvenda-se procurando de novo no seio das religiões indo-europeias, com o fim de pesquisar se os deuses dos laços dirigem a um grupo de gente determinado ou se é que se formam confrarias seguindo ou imitando os deuses dos laços”. No que diz respeito da sua posição, há que dizer que é um deus de primeira função ao modo do Odin germânico mas também se lhe atribui o aspecto obscuro da função soberana Dumeziliana. Bândua é um deus guerreiro mas também pode estar relacionado com a agua, de facto existem banhos termais na zona de Aquis Querquernis. A mesma relação pode estar presente em Bormánico, do proto-indoeuropeu “bhreue” (ferver, violenta efervescência). Mas temos de ter em conta que Bândua têm relação com Coso e com Marte, de facto foi identificado erroneamente com este último por desconhecimento dos arqueólogos ou historiadores. O deus aparece "recrutado" pelas tropas romanas por causa do seu carácter, testemunhado pelo epígrafe "Martis socio Banduae". Bândua e Coso são duas versões galaicas, ao meu ver, da mesma divindade. No caso de Coso, que aparece onde não aparece Bândua e ao invés, trata-se igualmente dum deus guerreiro mas também é um deus vinculado as aguas e à confluência destas. Este aspecto vemo-lo no seu "irmão" do Norte da Grã-Bretanha e França: Condatis. Estes aspectos aparecem claramente em Aquis Querquernis. Um deus guerreiro vinculado a fratrias galaicas que pertenceriam as tropas romanas mas também ao rio e a aguas termais. Isto não é estranho, pois muito do que se tem por romano na Gallaecia realmente é uma nova forma de se verem refletidas na cosmovisão galaica celto-atlântica: Novos jeitos de velhas formas.

A morte do grande guerreiro Cuchulainn em Muirthemne achega-nos um dado de muito interesse: Quando ao guerreiro irlandês lhe chegou a sua hora no campo de batalha é atado pela cintura a uma coluna de pedra. Morre assim o guerreiro dignamente, marcado o trágico final por um corvo que se pousa sobre ele. Esse corvo é Babd (da tríada de Morrigan e Macha), o mesmo corvo de mau agoiro para os galegos, essa velha deusa chamada na mitologia galega " A Lavandeira" que a sua vez tem relação com um pássaro. Achamos de novo a mesma simbologia vinculada à guerra e à última viagem guiada por Oghmios. Mas se analisarmos a história de Cuchulainn podemos tirar dados de interesse. O nome original deste heróico personagem era Setanta. Este, numa ocasião, de criança, foi visitar o seu pai adoptivo à casa do ferreiro Culann. Nesse momento, teve de se enfrentar ao cão do ferreiro, vendo-se na obriga de o matar. Setanta comprometer-se-ia a fazer de guarda a Culann por ocasionar a morte do seu cão e foi por isso pelo que adoptou o nome de Cuchulainn: o cão de Culann.

O professor André Pena Granha diz ao respeito: "Setanta "Caminhante" e "Ogmios" o caminho são uma mesma coisa, representa ao solar deus no seu decadente e psychopompos aspecto. A acidental' morte do cão de Culann intensifica o caracter psychompompos. A última fase do Deus, como a de Odin, é a sua morte, defendendo aos seus colegas. Tanto se ata à árvore para morrer lutando, quanto os seus laços servem logo para arrastar aos seus colegas caídos em combate ao Além". Blanca García-Fernández Albalat diz ao respeito "É muito possível que existisse um vínculo muito forte entre Ogmios e Cúchulainn, pelo menos de tipo funcional. Cúchulainn é filho de Lug do mesmo jeito que Hércules é de Júpiter, e por outra parte, Ogmios na Gália é qualificado de Heracles”.

Voltando ao Echtra Nerai, achamos muitos aspectos dos que falamos no anteriormente. Nesta noite, Nera, leva aos defuntos á procura duma petição ao mundo dos vivos. Mas só podem aceder à terceira casa, o último passo do sol, o da decadência do astro mas também pode ter a ver com as mágicas atribuições deste número. O paralelismo do morto é o mesmo dos disfarces, de pintar-se a cara com chamiços no Magusto e pedir comida pelas casas, é o facto de dar uma oferenda as Ânimas a cambio da tranquilidade (a parte pelo todo). Infelizmente, na historia de Nera, o enforcado não ficou contente pois considerou que a agua que lhe deram de beber não era viável. Depois Nera tem uma visão e acesa ao mundo do Sidh, onde supostamente estaria a sua gente decapitada. Para entrar, acede por uma cova, uma forma de aceso ao mundo dos mouros como conta a lenda da "cova da coruja", o sidh galego. Já dentro, Nerai é aceitado ainda que tem a obriga a levar lenha. O guerreiro inclusivamente chega a casar lá. Já sabemos que os galegos que casam com a moura ficarão com ela no grandioso mundo dos mouros. Volta de novo a Ráth Cruachna, com um tempo que não se corresponde com o passado no sidh, alteração que também se produz na mourindade. Finalmente a sua gente acesa a este mundo, vence, e leva três tesouros. A procura dos tesouros são é constante da mitologia galega, sempre ao redor das mâmoas e dos castros, e no contato com os mouros.

Acho de interesse fazer de novo uma reflexão com respeito à etimologia do Magusto. Como apontei anteriormente sobre o Sámanos e o Magusto, Mag é um termo que faz referencia a achandar ou chaira. A chaira é para os povos celtas uma alegoria do mar, o qual representa ao Além. É por isso que as Óenach de Irlanda ou as Oinakoi da antiga Kalláikia se faziam em lugares de chãos. Mas essas chairas estavam num lugar elevado e fronteiriço. Precisamente essa relação existe na mitologia irlandesa com a designação do Além como Mag Réin, a chaira do mar. Se o Magusto se faz em outeiros, lugares fronteiriços e visíveis desde vários pontos duma ou varias paróquias, isto leva-nos a este carácter sacro de chaira e altura como comunicação com o Além. Pois bem, se a característica do Magusto é a sua realização nestes encraves, poderíamos estar a falar da raiz Mag como chaira com estas conotações?. Temos também o elemento do fogo: Ustus, enceso pelos druidas na óenach de Tara. Mas também não podemos excluir a hipótese de que estejamos ante um termo que provenha duma etimologia cruzada com umas características que definem o festejo: Mag (celta) como chaira; Mago (latino) como druida e depois o elemento do fogo.


(CONTINÚA)

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