25/11/2011

Echtra Nerai. A aventura de Nera, o guerreiro valoroso.

despertadoteusono.blogspot.com
David Outeiro
13/11/2011

- 1ª parte -


Um antigo escrito irlandês do Ciclo de Ulster conta uma velha história ao redor do tenebroso tempo do Samhain. O mítico relato fala-nos do Echtrai Nerai. A aventura de Nera. Esta história é um velho legado que fala das aventuras dum valente guerreiro celta. Mas isso sim, ainda que semelhe velho e longínquo, chegaremos a ver como os sucessos que descreve encaixam com o velho Sámanos galaico e o Magusto atual. As portas do além estão abertas, vejamos o que nos trazem...

“A noite do Samhain chegara ao reino de Connacht e a Óenach desta celebração transcorria na Rát Cruachna. O rei Aillil e a rainha Mebd estavam presentes neste palácio. O rei dispus-se a pôr a prova a sua gente oferecendo a sua valiosa espada com empunhadura de ouro a em troca duma façanha. A sua espada seria para aquele que ousasse a pôr uma fita aos presos que foram executados no dia anterior. Os prisioneiros foram julgados e sentenciados a morrer enforcados durante a assembleia do Samhain.


Os presentes não puderam evitar a surpresa perante tal oferecimento pois aquela era uma noite muito perigosa e aterrorizante .Já sabemos que a barreira entre o mundo dos vivos e a dos mortos estava a esvaindo-se. Mas havia um valente guerreiro presente na celebração: Nera. Foi ele quem aceitou a proposta.


Nera coloca-se uma armadura e dirige-se ao lugar onde se acham os enforcados. Enquanto lhes colocava as fitas, um dos enforcados disse-lhe ao guerreiro que teria que levá-lo a beber. Nera aceita e o enforcado elogia o seu comportamento. Por causa disto, terá que levar o enforcado às suas costas até achar água para ele.

Seguidamente o guerreiro levou o enforcado para uma casa mas o defunto rejeitou entrar posto que esta estava rodeada por um lago de fogo. Continuaram até uma segunda, mas acharam-na rodeada por um lago de água, pelo que se vem obrigados a continuar. Chegaram a uma terceira casa, onde por fim, o defunto satisfez a sua sede. Após ter bebido o terceiro copo, o enforcado cuspiu sobre os rostos dos moradores da casa provocando neles a morte. Perante isto, o Nera devolveu-o a forca.

Nera retorna e vai na procura de Aillil, mas acha a fortaleza destruída pelas tropas do Sidh, o exército do Além. Nera após esta situação penetra na Cova de Chruachain, uma das entrada ao Sidh. Dentro, já, dá com as cabeças cortadas da gente da Rát Cruachna. O guerreiro é descoberto pelos habitantes do Sidh e para ficar, vai ver-se obrigado a fornecer lenha.

Com o tempo e antes do seguinte Samhain, a companheira de Nera no Sidh conta-lhe que viu uma imagem da destruição do Cruachna mas que não era real. O que Nera viu no Samhain era uma visão, uma premonição do que ia acontecer no próximo Samhain. Nera voltou com a sua gente chegando a receber a espada do rei. Mas o tempo que tinha passado no Sidh não se correspondia por excessivamente dilatado com o tempo no mundo dos homens. A sua gente foi advertida e preparam-se para atacar o Sidh quando se produzisse a nova apertura deste durante o Samhain. Os guerreiros de Connacht venceram aos do Sidh e conseguiram três importantes tesouros ainda que o valente Nera ia ficar no mundo do Além até o fim dos tempos”.

Como podemos comprovar nesta narração, Nera é um guerreiro que têm a capacidade de se deslocar entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos tal e como analisaremos. A etimologia do seu nome remete-nos a "força, grandeza" mas também a "chefe". No velho galês existe a palavra "nar",quer dizer, chefe. No gaélico "ner" significa javali, animal relacionado com a fortaleza e os guerreiros. Na antiga Kalláikia, ao sul do Cabo Fisterra, existia uma treba chamada "Neros" (Nerii em latim) relacionada também com este significado. Neros/Neroi provém do celta NERIOI que significa "virís, cheios de força masculina"; adjetivo de Neros "varão, macho". Há que apontar a que na narração do Echtra Nerai, o enforcado louva a Nera chamando-lhe "viril" por ajudá-lo. Neros/Neroi é o nome que se dava a si própria esta treba mas eram conhecidos por outras trebas com o nome de Supertamaricos em época latina, anteriormente como ALLOTAMARIKOI ou ALNOTAMARIKOI (As tribos calaicas, Higino Martins. p 191). Este povo, recebia o seu nome porque morava para além do Tâmara-Tambre, um rio temido, perigoso e relacionado com o além e a deusa tenebrosa. Segundo diz o Higino Martins na sua obra, essa é a origem do nome do rio, a designação de tenebroso... semelhante ao Hades, o escandinavo Gjallr, ou o rio de ondas negras que há que passar para chegar ao país do além: Tuoni. Nomenclatura similar recebe o famoso rio Tamisa de Londres.

Outro aspecto interessante de Nera é o facto de ter que atar aos enforcados. O facto de os atar, suporia que suas as Ânimas não poderiam abandoar o corpo que empregaram durante a sua vida. Mas a sua vez pode ter um sentido psycopompo, quer dizer, de levar as Ânimas de cara ao além. Este vinculo entre os laços e a condução das Ânimas ao outro mundo está presente no deus gaulês Oghmios (irlandês ogma) que possui uma cadeia que atravessa a sua língua e pela que leva aos homens atados pelas orelhas. Mas esta cadeia pode ser uma representação simbólica do seu caracter persuasivo e sábio. Oghmios têm a capacidade, portanto, de persuadir os homens e levá-los até os confins da terra.

O caracter das ligaduras e do seu carácter negativo como anudador da Ânima achamo-la nas crenças galegas atuais. Quando se produz um enforcamento, a gente evita falar da vitima, já que as Ânimas dos enforcados permanecem no lugar. Isto é devido a que o facto de se suicidar por meio duma soga, supõe que o seu espírito permanece na zona manifestando-se em ocasiões por meio de pequenas luzes que ficam no lugar. A aparição de destas luzes relaciona-se a uma morte violenta, aparecendo até que se abençoe o lugar ou se solucione o caso. Com estas crenças topou Vicente Risco: "No Castro de Caldelas suicidou-se umha pessoa e a pouco viram-se umas pequenas luzes no lugar do suicídio". Outro aspecto da mitologia galega é o da Ânima que se aparece para que lhe "rachem o hábito" e que a sua Ânima possa ser libertada. Mas há que ter cuidado, agindo contrariamente à recomendação do defunto no que diz respeito da forma de rachar, pois senão pode-nos levar com ele. No II Concílio de Braga, ano 572, fica interdito: "Não seja lícito aos bispos e padres fazer encantamentos e ligaduras".

(CONTINÚA)

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